CBD aprovado para epilepsias raras: indicações, dose e segurança

CBD aprovado para epilepsias raras: indicações, dose e segurança

A aprovação do canabidiol (CBD) de grau farmacêutico para o tratamento de epilepsias refratárias representa um marco significativo na neurologia, trazendo esperança para famílias que lidam com condições devastadoras como as síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e o Complexo de Esclerose Tuberosa. Este artigo visa desmistificar o papel do CBD, explicando seu mecanismo de ação, as evidências que fundamentam sua indicação, aspectos de segurança e considerações práticas para pacientes e cuidadores no contexto brasileiro.

Como o CBD teoricamente atua

  • O canabidiol (CBD) é um dos muitos compostos encontrados na planta Cannabis sativa. Diferentemente do tetraidrocanabinol (THC), o CBD não possui propriedades psicoativas significativas.
  • Seu mecanismo de ação é complexo e ainda não totalmente elucidado, envolvendo múltiplas vias no sistema nervoso central. O CBD interage indiretamente com o sistema endocanabinoide (SEC), uma rede de sinalização presente em todo o corpo, que desempenha um papel crucial na regulação de funções como humor, sono, apetite e, notavelmente, na excitabilidade neuronal.
  • Em vez de se ligar diretamente e com alta afinidade aos receptores canabinoides CB1 e CB2, como o THC, o CBD modula a atividade de diversos outros receptores e canais iônicos. Entre eles, destacam-se os receptores serotoninérgicos 5-HT1A, que influenciam o humor e a ansiedade, e os receptores vaniloides TRPV1, associados à dor e inflamação.
  • O CBD também pode modular a liberação de neurotransmissores excitatórios e inibitórios, como o glutamato e o GABA, respectivamente, contribuindo para a estabilização da atividade neuronal e, consequentemente, para a redução da frequência das crises epilépticas. Sua ação neuroprotetora e anti-inflamatória também são mecanismos que podem contribuir para o seu efeito terapêutico nas epilepsias.

O que está COMPROVADO

A evidência mais robusta para o uso do CBD no tratamento da epilepsia vem de ensaios clínicos randomizados, controlados por placebo, que levaram à aprovação de uma formulação de canabidiol isolado de grau farmacêutico, conhecido comercialmente como Epidiolex nos Estados Unidos e Europa. No Brasil, embora o produto original ainda não esteja disponível de forma comercial direta, a Anvisa regulamentou a importação e o uso de produtos à base de canabidiol, facilitando o acesso mediante prescrição médica e aprovação. Os estudos fundamentais demonstraram a eficácia do CBD especificamente para três síndromes epilépticas raras e graves, que são frequentemente refratárias a outros tratamentos convencionais: Síndrome de Dravet (Devinsky et al., 2017), Síndrome de Lennox-Gastaut (SLG) (Devinsky et al., 2018) e Complexo de Esclerose Tuberosa (CET) (Thiele et al., 2020). Em todos esses casos, o CBD foi utilizado como terapia adjuvante, ou seja, adicionado aos medicamentos anticonvulsivantes que os pacientes já estavam utilizando. A aprovação dessas indicações por agências reguladoras como a FDA e a EMA, e a posterior regulamentação no Brasil pela Anvisa (via RDC 327/2019 e RDC 660/2022 para importação), reforçam a robustez das evidências clínicas.

O que está EM ESTUDO

  • Embora as indicações aprovadas para o CBD na epilepsia sejam bem estabelecidas para as síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e Complexo de Esclerose Tuberosa, a pesquisa sobre seu potencial terapêutico continua avançando em diversas frentes. Atualmente, existem ensaios clínicos e estudos observacionais investigando o uso do canabidiol em outras formas de epilepsia refratária, onde os tratamentos convencionais não obtiveram sucesso. Isso inclui condições como a Síndrome de West, CDKL5, ou epilepsias focais com alta frequência de crises que não respondem aos medicamentos tradicionais.
  • Além da expansão das indicações, pesquisadores estão focados na otimização da dosagem e das formulações. Há esforços para entender se diferentes perfis de canabinoides (isolado vs. full spectrum ou broad spectrum) podem oferecer vantagens em subtipos específicos de pacientes, embora o produto aprovado seja um isolado puro de CBD. A busca por biomarcadores que possam prever a resposta ao tratamento com CBD é outra área de estudo promissora, visando personalizar a terapia e identificar quais pacientes teriam maior probabilidade de se beneficiar.
  • Estudos estão também avaliando a eficácia e segurança do CBD em combinação com novos anticonvulsivantes, explorando possíveis sinergias e interações farmacológicas. No entanto, é fundamental reconhecer as limitações atuais: faltam estudos de longo prazo para avaliar a segurança e eficácia do CBD por muitos anos, e comparações diretas com outros medicamentos anticonvulsivantes de primeira linha ainda são escassas para a maioria das epilepsias. Os resultados de pesquisas futuras serão cruciais para ampliar o entendimento e a aplicação do CBD na prática clínica.

Segurança e interações

Efeitos adversos

  • Sonolência
  • Fadiga
  • Diarreia
  • Diminuição do apetite
  • Elevações das enzimas hepáticas (transaminases, como ALT e AST)
  • Náuseas e vômitos
  • Erupções cutâneas

Monitorização hepática

A elevação das transaminases hepáticas é um efeito adverso notável do CBD, particularmente aumentado quando coadministrado com valproato. É imprescindível monitorar a função hepática (ALT e AST) antes do início do tratamento, após um mês e periodicamente, conforme orientação médica, para detectar alterações precocemente e ajustar o tratamento.

Interações medicamentosas

O CBD é metabolizado por enzimas do citocromo P450 (CYP3A4 e CYP2C19), podendo interagir com outros medicamentos. As interações mais importantes incluem: Clobazam (aumento dos níveis, potencializando sedação), Valproato (aumento do risco de toxicidade hepática), outros anticonvulsivantes (carbamazepina, fenitoína, topiramato) e anticoagulantes (varfarina). É crucial informar o médico sobre todos os medicamentos e suplementos em uso.

Populações especiais

  • Idosos: Podem ter maior sensibilidade; iniciar com doses baixas e ajustar gradualmente.
  • Gestantes e Lactantes: Dados insuficientes sobre segurança; uso não recomendado sem extrema necessidade e avaliação médica rigorosa.
  • Crianças: Aprovado para epilepsias raras específicas, mas sempre sob supervisão pediátrica/neuropediátrica.

Uso prático e qualidade do produto

  • **Isolado de CBD:** Contém apenas canabidiol puro, sem outros canabinoides, terpenos ou flavonoides da planta. A formulação de grau farmacêutico aprovada para epilepsias raras é um isolado de CBD de alta pureza.
  • **Broad Spectrum (Amplo Espectro):** Contém CBD e outros canabinoides menores (como CBG, CBN), terpenos e flavonoides, mas o THC é removido ou está em níveis indetectáveis.
  • **Full Spectrum (Espectro Completo):** Contém todos os compostos da planta Cannabis, incluindo CBD, outros canabinoides, terpenos, flavonoides e uma pequena quantidade de THC (geralmente abaixo de 0,2% ou 0,3% no Brasil, conforme a regulamentação). A teoria do “efeito comitiva” sugere que esses componentes agem em sinergia, potencializando os efeitos terapêuticos. Para as epilepsias refratárias, a evidência de eficácia é para o CBD isolado de grau farmacêutico, que permite um controle preciso da dose e minimiza a variabilidade de outros componentes.

Regulação no Brasil

No Brasil, a Anvisa regulamenta os produtos à base de Cannabis. A RDC 327/2019 estabelece regras para fabricação, importação e comercialização de produtos à base de canabidiol com THC limitado. A RDC 660/2022 simplifica a importação de produtos de Cannabis para uso pessoal. A necessidade de prescrição médica e aprovação da Anvisa é fundamental, garantindo uso seguro e orientado.

Perguntas frequentes

O que são epilepsias raras e por que o CBD é uma opção?

Epilepsias raras são condições neurológicas que causam crises frequentes e refratárias a tratamentos convencionais. Para síndromes como Dravet, Lennox-Gastaut e Complexo de Esclerose Tuberosa, o CBD se tornou uma opção importante após estudos mostrarem que ele pode reduzir significativamente a frequência e a gravidade das crises.

Qual a dose inicial de CBD para essas condições?

A dose de CBD é altamente individualizada e deve ser determinada exclusivamente pelo médico. Inicia-se com uma dose baixa, aumentando gradualmente (titulação) até atingir a dose terapêutica eficaz, monitorando resposta e efeitos adversos.

O CBD pode interagir com outros medicamentos que meu filho usa para epilepsia?

Sim, o CBD pode interagir com outros medicamentos, especialmente anticonvulsivantes como Clobazam e Valproato, podendo alterar seus níveis ou potencializar efeitos adversos. É crucial informar ao médico sobre todos os medicamentos em uso para ajuste de doses e monitoramento seguro.

É necessário realizar exames de sangue durante o tratamento com CBD?

Sim, a monitorização da função hepática é recomendada, especialmente no início do tratamento e com uso concomitante de valproato. O médico pode solicitar exames de enzimas hepáticas (ALT e AST) periodicamente para garantir a segurança e detectar alterações.

Qual a diferença entre o CBD “medicinal” aprovado e outros produtos de CBD?

O CBD “medicinal” aprovado (ex: Epidiolex) é um isolado de grau farmacêutico, com pureza e dosagem padronizadas, com evidências de ensaios clínicos. Outros produtos (isolados, broad ou full spectrum) variam em concentração e pureza, sem as mesmas evidências ou aprovação para estas indicações. A escolha deve ser médica.

Onde posso encontrar o CBD aprovado no Brasil?

No Brasil, o CBD para epilepsias refratárias pode ser acessado via importação de produtos à base de canabidiol, mediante prescrição médica e autorização da Anvisa (RDC 660/2022). Alguns produtos registrados também estão em farmácias, seguindo a RDC 327/2019. A prescrição deve ser feita por neurologista/neuropediatra.

Conclusão

A aprovação do canabidiol para as síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e Complexo de Esclerose Tuberosa representa um avanço notável no tratamento de epilepsias raras. As evidências científicas demonstram sua capacidade de reduzir significativamente a frequência de crises. É fundamental que o uso do CBD seja rigorosamente acompanhado por um médico especialista, com individualização da dose e monitoramento contínuo de segurança, especialmente da função hepática e das interações medicamentosas. O CBD é uma ferramenta terapêutica valiosa que, utilizada com discernimento, pode melhorar a qualidade de vida de muitos pacientes.

Leituras recomendadas

  • Pilar: Segurança e Interações do CBD
  • Pilar: Regulação do CBD no Brasil
  • Guia: Como ler rótulos e laudos (COA)